De Surya para Aysha


Minha caríssima e saudosa Aysha,

 

Os boatos sobre Koridrim são verdadeiros. Seguindo rumo à vila, não encontrei os heroicos piratas da liberdade que fazem a fama daquele porto, apenas asquerosos traficantes de escravos e achbuld; os quais, a propósito, foram levados à Justiça local, mais corrompida que um dragão numa joalheria. Que surpresa... Felizmente uma sacerdotisa de Marah foi interinamente instituída ao posto do tal Sir. A senhora Briene parece de fato bastante respeitada pelos cidadãos que tiveram o prazer de me conhecer, e tem sido de grande auxílio, com a hospitalidade de seu templo luxurioso. (Se ouvir algum boato sobre mim envolvendo um minotauro afoito, não acredite nele, as irmãs taverneiras da Cerveja da Sorte são incrivelmente fofoqueiras e nós estamos passando a noite em um verdadeiro santuário da fé, e nada menos respeitável que isso, como vê).

Nós, digo, outros forasteiros semi-desocupados que aceitaram investigar o mistério dos sequestros: um anão injustamente difamado e exilado, um trog feito cativo pelos traficantes, que é uma parede intransponível em batalha, e uma arqueira safa que acaba por ser parente da grande pirata Silene, por ora desaparecida (prometo pedir um bilhete dela em seu nome, caso ela reapareça, pode ficar tranquila – eu pediria uma mecha de cabelo como recordação, se não fosse venenosa...). Por fim, nossa comitiva conta ainda com uma curiosa criatura de feições tamuranianas que alega pertencer a um mundo além do éter, um reinado caótico chamado "Terra", onde não existe magia e os deuses se escondem. Será que a querida amiga já teria aportado em semelhante lugar? Pergunto pois esta jovem humana é potencialmente suspeita: ela age como se desconhecesse tudo desse mundo, com seus tecidos exóticos e penas que já têm tinta por dentro, mas manifesta o sangue dos dragões artonianos, veja você. Ela até fala o Idioma Comum, mas alegadamente só quando segura um tal relógio, você sabe, aquele sofisticado engenho que mostra as horas do dia e da noite. Que pensa disso, minha cara? Estou ainda incerta sobre a ligação dela com o culto maligno dos dragões. Nossos inimigos conhecem seu pai desaparecido e falam dele com admiração, pra completar...

Em uma perigosa expedição ao Mirante do Observador, nas montanhas próximas, enfim surpreendemos um vil tipo que comandava uma operação verdadeiramente repugnante, consistindo em corromper corpos inocentes para criar as mais repulsivas bestas de combate. Cara Aysha... Pelos símbolos profanos do Terceiro, creio que esse teria sido outrora meu fim, pois são, em aparência, os mesmos fanáticos que me abduziram no passado. Conforme as notas que encontrei em um laboratório macabro, o experimento foi aprimorado para dominar o corpo da vítima em apenas um dia de submersão em tanques selados. Tragicamente, este foi o destino da maioria dos raptados que encontramos, a quem deixamos para padecer sob os destroços da masmorra em desabamento. Por poucos nós mesmos nos safamos, mas não deixo de sentir grande remorso por esta decisão... Ainda há esperança de que a transformação seja reversível, afinal. Mais, por trás da violência descontrolada dos monstros, penso ter percebido ares de grande dor e tristeza. Será tão arraigada a crueldade desta seita maldita que mantenham suas vítimas conscientes enquanto seus corpos são escravizados para as mais vis finalidades? Ave, Valkaria!

Felizmente, meu vastíssimo talento nas artes performativas de todos os tipos cativou um destacamento de miseráveis lefeu carentes de entretenimento, que então nos serviram de aliados contra as primeiras criaturas assombrosas que corriam soltas pela masmorra, território então disputado entre tais lefeu e algum tipo de clã de mortos-vivos, que ali viviam em guerra aberta (uma rivalidade certamente ferrenha para justificar a disputa de uma propriedade amaldiçoada em franca ruína e infestada de ratos gigantes...). De qualquer modo, creio ter tirado a sorte grande nesse contrato: durante o primeiro ataque, a medusa pôs em prática variados ardis envolvendo sorrateiras armadilhas e venenos. O trog é um louco e enfrentou nossos inimigos de peito aberto, recebendo entusiástico o grosso dos golpes violentíssimos. Já a estrangeira, devo admitir, foi prestativa em tudo e fez uso de seu poder mágico com exemplaridade, o que é um pouco assustador. Eu, é claro, não errei uma adaga sequer, nunquinha-jamais, e essa é a história oficial como deve ser contada.

Para informação de nossa nobre guilda, não posso deixar de mencionar a completa selvageria destas pobres bestas, que não obedecem nem mesmo a seu mestre corruptor: o mago (ou o que fosse o tal merdinha) foi instantaneamente atacado por um dos protótipos mais brutais, um Observador que libertou no intuito de incitá-lo contra nós. Não conseguimos capturar o vilão, pois fugiu por meios arcanos enquanto tentávamos penosamente sobreviver a uma quimera terrível, ‘formada’ por uma companhia de aventureiros contratada antes de nós por Paula Staneli, a agora viúva dona do mercado de Koridrim, aonde deveremos voltar com estas tristes notícias (ou parte delas, já que concordamos que seria desnecessário aprofundar ainda mais a dor de seu luto... e talvez provocar sua ira pelo abandono dos corpos restantes). Afinal, apenas quatro puderam ser resgatados, tendo perecido, entre os outros, nosso companheiro Irödh Mithrilskull, em nome de quem vos peço que mande realizar um rito fúnebre de tradição dos anões (e que pague por ele, já que minhas finanças estão ligeiramente limitadas no presente momento... e quantas estações já não tem a nossa amizade pra ser afetada por uma ninharia tal como uns poucos tibares sem valor, não é mesmo?).

Espero que esta modesta obra da prosa literária encontre a todos aí em segurança. Quanto a mim, pretendo chegar às Ilhas Flock com a próxima lua, aonde poderá remeter uma resposta a esta longa e adorável missiva espirituosa e excelente de todas as belezas linguísticas e poéticas e caligráficas que já se viram. Isto porque meu grande talento e charme e simpatia e coragem e graciosidade atraíram a atenção de um rico mercador de nome Piglin, que nos ofereceu um contrato marítimo provavelmente desonesto. Por ora, portanto, espero deixar os dragões tirânicos em terra e que, por um bom tempo, todas as escamas só pertençam aos peixes, ahoy! Bom, e a meus novos companheiros... Como vê, estou cercada de répteis.

Fique fria, fofura!

Sua leal amiga e agora também grande marinheira desbravadora dos Sete Mares, e todo número de Mares, e também todos outros Mares mais perigosíssimos do mundo que não são páreo para a grandessíssima mundialmente famosa bravura da

Inacreditável Surya Carmesin

(aceitamos cachê agora também em rum)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Fuga para Cima!

Aventuras em Skylark